sexta-feira, 18 de novembro de 2011

a little bit of faith

"Não se sabe quem respondeu, mas existe uma belíssima alma trabalhando no arquivo morto dos correios americanos.Tenho certeza de que não foi dos correios daqui de Crossville.

Abbey, nossa cadelinha de 14 anos morreu no mês passado. No dia seguinte a seu falecimento, minha filha de 4 anos, Meredith, chorava e comentava sobre a saudade que sentia de Abbey. Ela perguntou se poderia escrever uma carta para Deus para que, assim que Abbey chegasse ao céu, Deus a reconhecesse. Eu concordei, e ela ditou as seguintes palavras:

Querido Deus,
O Senhor poderia tomar conta da minha cadela? Ela morreu ontem e está ai no céu com o Senhor. Estou com muitas saudades dela. Fico feliz porque o Senhor deixou ela comigo mesmo que ela tenha ficado doente. Espero que o Senhor brinque com ela. Ela gosta de nadar e de jogar bola. Estou mandando uma foto dela para que assim que a veja, o Senhor saberá logo que é a minha cadela.
Eu sinto muita saudade dela.
Meredith

Pusemos num envelope a carta com uma foto de Abbey com Meredith e a endereçamos: Deus - Endereço: Céu. Também pusemos nosso endereço como remetente. Então Meredith colou um monte de selos na frente do envelope, pois ela disse que precisaria de muitos selos para a carta chegar até o céu. Naquela tarde ela colocou a carta numa caixa do correio. Dias depois ela perguntou se Deus já tinha recebido a carta. Respondi que achava que sim.

Ontem havia um pacote embalado num papel dourado na varanda de nossa casa, endereçado a Meredith numa caligrafia desconhecida. Dentro havia um livro escrito por Mr. Rogers, intitulado "Quando um animal de estimação morre". Colada na capa interna do livro estava a carta de Meredith. Na outra página, estava a foto das duas com o seguinte bilhete:

Querida Meredith,
A Abbey chegou bem ao céu. A foto ajudou muito e eu a reconheci imediatamente.
Abbey não está mais doente. O espírito dela está aqui comigo assim como está no seu coração. Ela adorou ter sido seu animal de estimação. Como não precisamos de nossos corpos no céu, não tenho bolso para guardar a sua foto. Assim, a estou devolvendo dentro do livro para você guardar como uma lembrança da Abbey. Obrigado por sua linda carta e agradeça a sua mãe por tê-la ajudado a escrevê-la e a enviá-la pra mim. Que mãe maravilhosa você tem! Eu a escolhi especialmente pra você. Eu envio minhas bençãos todos os dias e lembro que amo muito vocês. A propósito, sou fácil de encontrar: estou em todos os lugares onde exista amor.
Com amor,
Deus
"




Eu nunca precisei tanto escrever na vida como tenho precisado nesses dois últimos meses. Acontece que meus sentimentos simplesmente se entranharam na minha carne e se negaram a sair por um tempo muito, muito longo. Então hoje a Bruna, uma grande amiga e irmã, me passou esse texto – o qual eu realmente não tenho nada para provar que é uma história real além dessa foto, que eu realmente torço que seja da Meredith e da cadelinha Abbey.

Mas a verdade mesmo é que eu pensei que, meu Deus, se uma garotinha de quatro anos é capaz de encarar a morte da sua cachorrinha dessa forma, e consegue expressar seus sentimentos em uma carta simples e cheia de significado, por que eu não consigo falar sobre isso? Por que essa dor ainda me machuca tanto?

Sabe, eu pensava muito no que eu faria quando você morresse. Eu chorava de pensar na possibilidade, porque pra mim você sempre foi uma das coisas mais preciosas da minha vida, Deus sabe. Você tinha onze anos e uma saúde perfeita, por que daquele jeito? As vezes eu acho que a vida fez um plano para acabar com as únicas coisas boas que eu tenho, e você era uma delas. Talvez essas coisas boas fossem principalmente o fato de eu ter você ao meu lado, mesmo quando eu ficava sozinha de tarde em casa e chorava porque não agüentava a solidão. Você nunca me abandonou.

Uma semana antes de tudo acontecer parecia que eu sabia. Parecia que eu sentia. Uma semana antes eu estava falando sobre como eu tinha medo que você ficasse doente e morresse devido à sua idade e à sua visão que já não estava das melhores. Mas você era saudável. Deus, você era saudável!

Me diz, por que eu tive aquela idéia. Eu só queria que você ficasse feliz, entende? Eu só queria chegar em casa e colocar seu potinho de água aqui embaixo porque você passeou demais e ficou cansada. Não era pra ser como foi. Eu queria ter pego você no colo, como eu fazia sempre, e ter tido aquele cuidado especial de duas semanas antes ao acontecido. A culpa é minha, Cindy, me desculpa.

Da série das coisas que eu nunca vou esquecer, o último batimento do seu coraçãozinho nos meus braços ficará em primeiro lugar.

Sabe, às vezes eu acho que ouço seus passinhos pelo corredor, de noite. Por um milésimo de segundo eu espero que você coloque a cabeça pra dentro do meu quarto só pra ver se eu estou bem, e então caminhe até mim porque está com fome e quer companhia até a cozinha. Eu nunca reparei como essas coisas pequenas fazem tanta falta, porque eu ainda espero. Eu ainda espero você nos meus pés de manhã. Eu ainda espero acordar e ver você correndo até mim balançando seu rabinho. Eu ainda espero que você corra atrás do Athos pra que ele vá pro jardim sem fazer paradas por aí, ainda espero o eu latido se juntando aos outros dois. Às vezes eu até acho que estou ouvindo você latir.

Tenho acordado durante a noite com a sensação de que você está nos meus pés. Cindy, será que você ainda está aqui comigo? Porque é tão real.

Parece que eu estou dormindo. Eu sinto que estou meio vegetando em quase noventa por cento do tempo. Quase nada mais me prende a coisa alguma, e eu me sinto cair cada vez que dou um passo pra frente. Eu só queria que isso acabasse, que eu acordasse e descobrisse que nada disso aconteceu e que você está aqui ainda. Eu só queria parar de me culpar.

Tenho muitas dúvidas sobre a existência de um Deus ou de uma energia poderosa que queira me ver bem, porque simplesmente não tem feito sentido. Eu queria ter minha fé renovada, e queria a certeza da Meredith. Queria ter certeza de que você não está sozinha, Cindy, porque eu estou. E eu sei que eu vou acabar suportando isso, mas sei que você não suportava. Quero acreditar que você ainda existe em algum lugar e que está sendo bem tratada. E que não tem sofrido a falta que eu sofro.

Então vamos lá, eu vou tentar. Espero que isso me traga algum conforto e que Steve Jobs já tenha feito um sistema eletrônico genial no céu.

Deus.
Você sabe quem eu sou, creio que tenho lhe dado muitos problemas esses últimos meses aí no céu. Sabe que eu estou com a fé abalada, e sabe que nesse momento meu pensamento é ‘estou escrevendo para um documento do Word e esperando resposta, grande Stephanie’. Mas mesmo assim eu estou escrevendo, não estou? Acho que sobrou um tantinho de fé em algum lugar de mim e estou fazendo um esforço tremendo pra conseguir utilizá-lo sem me sentir uma completa babaca.

Me desculpe. Devo desculpas à muita gente ultimamente, mas talvez o Senhor tenha sido o mais atingido. Toda aquela fé gigante que eu tinha e que parecia me dar respostas tão boas acabou se esvaindo junto com essa porção de coisas dos três últimos anos, e o Senhor sabe bem do que eu estou falando. Todas aquelas coisas pelas quais eu me culpo, e que tiram o meu sono todas as noites. Eu só queria encontrar um pouco de paz de espírito, sabe?

O caso é: não estou suportando toda essa dor. Eu não agüento mais segurar minhas lágrimas com risadas, parece que nem mais meu sorriso é tão sincero quanto era. Eu sinto falta de ser feliz, embora eu ache que nunca consegui chegar aos 85% de felicidade que eu gostaria. Mas aquele pouco que eu era estava bom, e nem isso eu tenho conseguido mais.

Dia 16 fez dois meses que a Cindy morreu, e essa dor ainda não passou. Eu só queria uma certeza de que ela está bem, de que não está sozinha. E, Deus, você sabe que eu estou usando todas as minhas forças pra falar Contigo. Você sabe o quão abalada minha fé está, então espero que esse tantinho de força de vontade signifique alguma coisa. O Senhor sabe o quanto eu amava essa cachorrinha. Você sabe o quão difícil tem sido pra mim passar por tudo isso. Só queria algumas respostas. Não preciso falar tudo o que se passa pela minha cabeça, porque tenho certeza que o Senhor sabe, então tudo o que eu vou perguntar se resume a “Por quê?”.

Por que, meu Deus, por quê? O que tanto eu preciso provar pra mim mesma, ou pro mundo?

Por favor, me dá a certeza de que a Cindy está bem. Me deixa ter uma despedida melhor do que ela nos meus braços olhando pra mim e eu pedindo que ela não morresse. Só quero a certeza de que ela sabe que eu dei o meu melhor, e de que ela não está sozinha.

Eu a amei, Deus. Você sabe o quanto. Você deve saber todos os meus medos, sabe que esse era um dos maiores. Se ela estiver com o Senhor, diga a ela o quanto eu a amo. Fale nas palavras que eu utilizava. Por favor.

Stephanie.


"Cindy, meu amor por você é maior que o universo."

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

forever young, I want to be forever young.

“Você sabe, é difícil ser gente grande” Eu dizia, sentada na cadeira de balanço, balançando com as pernas para frente e para trás. “A gente tem uma porção de obrigações.Contas pra pagar e coisas pra fazer. E não é tão simples quanto ir pra escola e tirar boas notas; não, ser gente grande faz a gente ter que trabalhar. E no trabalho a gente não pode falar alto com o chefe, porque quem recebe a gente quando isso acontece é a rua, não a sala da diretora chata.” 


Coloquei a mão no queixo, pensativa. Bufei um pouco, tirando uma mecha de cabelo que caiu no meu olho, tentando lembrar do que mais a mamãe tinha falado. 


“E quando a gente tem filho, tem mais a obrigação de cuidar do filho, porque o filho precisa da gente. E tem os bichinhos de estimação, que precisam tanto da gente quanto o filho. E filho e bicho de estimação fazem a gente gastar dinheiro, então a gente precisa mesmo trabalhar.” 


Agora eu puxei minhas pernas para cima da cadeira e estou me balançando com as costas. Ele não me responde, mas eu sei que está me olhando com aquela atenção que só ele sabe me dar. 


“Eu não sei o que é obrigação, mas a mamãe fala tanto disso que deve ser mais uma daquelas coisas chatas de gente grande. E tem também o coração. Dizem que quando a gente cresce, às vezes o coração dói. E vivem falando de coração partido na televisão e naqueles textos bonitos que eu leio quando a vovó deixa aqueles livros velhos em cima da cama de manhã. Eu não sei, mas o coração partir deve doer bastante, né? O meu nunca partiu, e eu decidi que nunca vai partir porque não gosto de sentir dor. E nem vou deixar o seu partir, apesar de não saber como um coração parte. Já perguntei como isso acontece. Vovó disse que eu vou descobrir quando virar gente grande.” 


Coloquei as pernas para fora da cadeira e sentei sobre minhas mãos. 


“Sabe, dá um pouco de medo isso. Imagina só, você está andando na rua e PUF! o seu coração se parte. Vovó riu quando eu contei isso pra ela. Não sei como ela pode rir de uma coisa assim, é horrível. Aí ela fez carinho na minha cabeça e foi fazer café. Aliás, café é outra coisa que gente grande gosta muito.” Levantei e fui até o berço, ficando na ponta dos pés e tentando enxergar os olhinhos do meu irmão, que ria e esticava os braços para mim. “Depois ela me disse que às vezes o coração parte porque a gente gosta muito de alguém, mas eu não acreditei porque eu gosto de uma porção de gente e meu coração parece inteiro. O seu também, né?” Perguntei, segurando a mãozinha do meu irmão enquanto ele balançava as perninhas e sorria aquele sorriso desdentado de neném. 


“Eu acho que é difícil ser gente grande. Às vezes eu vejo a mamãe chorando escondida. Ela não sabe que eu sei, então é melhor você não contar que eu te disse isso. Mas ela chora. E a vovó também chora. Elas não querem que a gente veja, porque a gente é pequeno e elas tem que parecer mais fortes que a gente. Mas eu sei que elas não são. Elas são fracas e às vezes parecem tão sozinhas, mesmo que a gente esteja com elas. Pelo menos a gente nunca vai ser sozinho, eu e você, né?” suspirei. Pensar como gente grande exigia muito mais do que minha cabecinha de oito anos conseguia suportar. “Eu não quero ser gente grande. Quero ser pequena pra sempre, eu e você.” Cruzei os braços na grade e apoiei minha cabeça neles, com um pouco de dificuldade por causa da altura. “Mas a mamãe disse que essa é a era da tecnologia. Eu não sei o que é essa tal de tecnologia, mas ela disse que isso vai ajudar muita gente a ficar mais inteligente e que todo mundo vai saber de tudo. Quem sabe eu não descubro como faz pra ser criança pra sempre?” Ele balançou os bracinhos pra mim, e pegou meu dedo. 


“Eu queria ser criança pra sempre. Coração de criança não parte, e a gente nunca se sente sozinho. E você, quer ser criança pra sempre?” Uma risada gostosa de neném, e eu sorri de volta. Então a mamãe chamou pra jantar. “A mamãe tá me chamando, mas eu já volto pra ficar com você, porque eu prometi que você nunca vai ficar sozinho. Eu também não vou deixar seu coração partir, tá bom? A gente vai ser criança pra sempre, como Peter Pan e Sininho. Você vai ver.”


Dei um beijinho desajeitado em sua mãozinha, a única parte do corpo dele que eu conseguiria alcançar, e corri para a sala. Quando voltei ele já estava dormindo, então eu não tinha mais ninguém para conversar sobre meus planos, mas decidi começar a colocá-los em prática. Joguei meu Lego no chão e acabei dormindo entre as peças. Eu estava decidida a não deixar nossos corações partirem.

sábado, 13 de agosto de 2011

until the very end.


Eu estava relutante em escrever esse texto. É difícil colocar em palavras coisas que nem as lágrimas descrevem. A verdade é que eu tinha medo que escrever sobre o que é Harry Potter na minha vida soasse como uma despedida. Mas não é uma despedida, nunca é uma despedida.

Eu queria que houvesse algo no mundo que explicasse o sentimento de voltar no tempo, porque é assim que eu me sinto sempre que eu pego um dos livros na mão, ou ouço aquela música de um dos filmes. Eu deixo de ser a Stephanie de dezenove anos, cheia de responsabilidades e fobias, e passo a ser a Teté. Só a Teté. A garotinha de oito ou nove anos assistindo à um mundo que ela já achava tão melhor que a vida que ela levava. Eu viro toda olhos felizes e sorrisos brilhantes, porque eu sabia que Harry não era só o Harry. Então eu também não era só a Teté. Eu não sou só a Stephanie. Eu sou algo mais, porque o Harry, o Ron e a Hermione me ensinaram que eu posso ser brilhante sendo eu.

Eu queria poder explicar por que o cheiro dos livros me transporta para o momento em que eu abri a caixa de presente de Natal e encontrei todos os quatro livros, na época, e o quanto abri-los, a partir daquele momento, se tornou um ritual quase sagrado. Durante toda minha vida eu vivi em Hogwarts. Durante toda a minha vida eu lutei ao lado do trio por um mundo melhor. Lutei pelo amor.

Eu queria, do fundo do coração, explicar por que cada morte do livro foi como uma perda pessoal pra mim. E eu queria que entendessem o significado de segurar  o sexto livro nas mãos quando minha avó me consolou durante uma madrugada inteira quando o Dumbledore morreu, e o significado de segurar o sétimo livro nas mãos como único consolo e fuga pela morte dela.

Eu queria que entendessem que cada lágrima pelo final oficial dessa jornada que durou mais de dez anos não é mais tanto por saber que não haverá um próximo livro para se esperar, ou por saber que nunca mais verei Daniel, Rupert e Emma atuando juntos como Harry, Ron e Hermione. É que hoje, quando eu me olho no espelho, eu não vejo mais uma garotinha. Hoje eu vejo aquela do começo, Stephanie, mil e uma responsabilidades e um peso do mundo nas costas.

Mas a garotinha ainda existe, e está estampada em cada sorriso, cada brilho no olhar, cada lágrima nostálgica e cada toque de dedos na capa já não tão nova dos livros. Porque, na verdade, a magia é eterna. Hogwarts sempre estará lá para me receber em casa.

Hoje eu pego esse trem e volto para a plataforma 9 ¾ com a sensação de missão cumprida. E o orgulho por ver essa série indescritível, que mudou tanto a minha vida de tantas maneiras diferentes, é maior do que qualquer tristeza que eu possa sentir. Porque, como diria o pequeno Harry de onze anos, e o meu eu de oito, eu não estou indo para casa. Não realmente.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Contos de uma estação qualquer

I.
Agridoce

Começou no salgado das lágrimas traçando um caminho brilhante pelas bochechas coradas de frio. O clima castigava seu rosto, mas a dor do vento cortante era a menor que sentia, dentre tantas outras dores.

De repente o toque gelado de uma mão sobre a pele fina de suas pálpebras, escorregando pelas maçãs do rosto, limpando cada trilha molhada de sua face. Então as pontas dos dedos finos subiram, escorregando por sua testa, nariz, bochechas, queixo. Segurou-lhe o rosto ternamente com as duas mãos, uma de cada lado,.

Ele abriu os olhos e surpreendeu os dela fixos nos seus, poucos segundos antes de ela encostar sua testa na dele fechando os olhos novamente, acariciando sua face com os polegares. Então tudo foi ficando mais amargo, desde os toques às lembranças, e o que parecia um feixezinho de luz brilhando no fim do túnel se apagou como se jamais tivesse existido.

E todos os medos palpitavam em seu peito, bombeados para cada pedacinho de seu corpo tremulo de frio. Um suspiro mais longo que o planejado entrecortado por um soluço involuntário por um sorriso compreensivo e quase triste. Afastaram-se levemente, encarando-se novamente por um breve momento. Então ele viu. E ela também. Eles só não sabiam o quê. Ela se aproximou devagar dele, os olhos passando rapidamente por seus lábios finos, e pousou os seus próprios em sua testa.

- Eu sei.

E então, só por um momento, a vida pareceu menos amarga.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Das cartas que eu não enviei I

e nem terminei.


Eu não sei como começar a escrever isso aqui. Eu queria te enviar, mas não sei se vou ter a mesma coragem que tive de escrever ao terminar e perceber que é hora de apertar ‘send’. Eu só queria saber como você está. Está bem? Resolveu aqueles problemas de adolescente rebelde com seu pai? Tá morando sozinho, como eram os planos, afinal? Dirigindo? Continua se drogando? São perguntas que passam pela minha cabeça todos os dias, mesmo eu prometendo que não me preocuparia mais com você. Na teoria é bem mais fácil que na prática, ainda mais quando você fecha os olhos e seu subconsciente faz questão de mostrar o quanto você ainda sente falta


07/04/11 - 03:20 a.m.

terça-feira, 5 de abril de 2011

para si - para o mundo


Ela gira. E gira e gira e gira. E gira sem se mexer, rindo da vida, rindo das pessoas, rindo do mundo. Ela gosta muito de rir, ele percebeu isso. Admirava-a em silêncio, meneando a cabeça, em conflito – ela era linda demais e boba demais. Ricardo gostava de ter os pés no chão. Gostava do mundo que conheceu e que era cem por cento capaz de controlar. Mas quando estava com ela, o mundo girava. O mundo girava e ele percebia que gostava de girar junto do mundo, junto de Laura. No entanto era ela ali no meio, a cabeça inclinada para trás, de olhos fechados, a trança enraizada se desmanchando pelas costas, e ele ali na muretinha, uma garrafa de cerveja barata em uma das mãos e todas as dúvidas na outra. Ela era tão livre de tudo, tão livre de todos. Sua figura leve e fortemente agasalhada quase era capaz de flutuar – Laura não sentia medo. Viu-se preso, porque ali não eram ele e Laura, era ele e a mureta, e Laura para todos os outros substantivos concretos e abstratos. Então ela se virou e, através da visão desfocada pelos pensamentos, Ricardo viu que ela estava sorrindo para ele. Laura endireitou o corpo, caminhou até ele e esticou a mão direita. Ele a encarou por um momento, sorrindo enviesado, e colocou a cerveja sobre a mureta, segurando sua mão. Ela riu gostosamente, e ele a acompanhou sem saber o motivo. Sentia-se contagiado por aquele riso, e quando os dedos gelados dela tocaram sua mão quente, uma descarga elétrica passou de Laura para ele. Ela se abaixou e o puxou consigo, deitando-se no chão frio da varanda. Ele encostou sem querer em sua perna, mas Laura não parecia se importar: estava ocupada demais lhe mostrando uma estrela que jurava conhecer. Eles riram juntos, e Ricardo sentiu tudo girar. E girava e girava e girava. Girava sem se mexer. Esqueceu-se das regras, esqueceu-se do mundo. Ele girava sozinho, girava com Laura. Ela segurou sua mão enquanto observavam um céu escasso de estrelas e inventavam teorias. Eles eram bobos demais.

quarta-feira, 2 de março de 2011

open the sky for me now II

Faz um tempo que eu percebi que você passa por aqui à jato e me dá tchau da janelinha. Eu procuro em cada sorriso a sua boca, e em cada palavra a sua voz, porque no final, eu não resolvi nada que eu tinha pra resolver com você. Porque você não me ouvia – ou fingia que não ouvia. A verdade é que eu estou cansada de te devolver o tchauzinho e seguir em frente, porque eu não preciso disso. Porque eu sou mais que esse monte de palavras digitadas, com pressa e sem olhar para o teclado, sobre você e como tudo que me rodeia me faz lembrar das suas palavras, ou do seu andar metido e introspectivo ao mesmo tempo. Porque, quer queira quer não, eu segui em frente, então você tem que parar de me puxar pra trás. Então é essa a decisão: eu vou vestir meu all star surrado e andar pra frente, porque eu vejo um futuro indefinido, mas que faz mais sentido do que esse presente sufocado. Mas eu tropeço, mas eu caio, e talvez eu não tenha tanta força quanto eu me gabo de ter. Eu levanto, machucada, destruída, e de repente percebo que o tombo foi, na verdade, um salto pra trás. E então aquele futuro tão melhor, tão diferente, está tão, tão longe. E eu só queria, sei lá, pegar carona no seu jatinho pra chegar mais rápido nas conclusões, sem precisar tocar a campainha de todos os porquês. As respostas que me recebem não fazem sentido, e eu aprendi que nada faz sentido. E agora o outro você me puxa pra trás e me diz tudo que eu não preciso ouvir, tudo que martela na minha mente todos os dias desde que eu decidi ser quem eu sou, não quem você quer que eu seja. Se isso não é o bastante pra ter sua aprovação e seu amor, novamente eu gostaria de pegar aquele jatinho, só pra não precisar atravessar a rua e tocar a campainha das respostas do lado de lá, que por algum motivo preferem não me atender. O que também não é um grande problema, porque nada faz sentido. Então quando eu coloco o pé na rua e olho pros dois lados, eu simplesmente volto mais uma vez pra dentro de casa. Aqui o não fazer sentido faz sentido. Mas vem o meu terceiro você, aquele que me olha nos olhos todos os dias no espelho, e me pergunta quem eu sou, quem eu busco, o que eu busco. E dessa vez não existe nem rua, nem portas, nem jatinhos, porque eu sou minha pergunta, minha resposta e meu caminho. E nenhum deles têm sentido.

open the sky for me now

E então eu apaguei tudo e percebi que esse parágrafo de quase dez linhas era tão vazio quanto o buraco que você deixou quando foi embora, e que não foi preenchido por nada desde então.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Your Call

- Você demorou.

A garota se aproximou devagar e sentou-se ao seu lado, mantendo aquela distância que há tempos adotara como a mais saudável. Evitava olhá-lo nos olhos porque sabia que as duas íris castanhas estariam pousadas sobre si, e ela não suportaria mais daquilo. Ajeitou-se da maneira de sempre, com os pés cruzados sobre o banco, e respirou fundo enquanto mexia na bolsa procurando qualquer coisa que evitasse respostas.

- Não sabia se devia vir. – Deu-se por vencida. Soltou a bolsa sobre o colo e encarou as mãos. Esperava que ele falasse alguma coisa, que explicasse o motivo do contato inesperado, mas ele não o fez. Apenas arrastou-se alguns centímetros pelo banco, desenlaçou as mãos dela e entrelaçou-as às próprias.

Então ela ergueu os olhos. Não deveria tê-lo feito, não deveria! Mas a surpresa foi tanta que não conseguiu conter o olhar. Há muito aquele toque já não lhe era mais destinado. Foi quase como ouvir novamente a voz dele nessa manhã fria enquanto encarava o banco do parque e cogitava a possibilidade de ir embora sem que ele notasse, mas ela sentou. E ele tocou suas mãos. E ela ergueu o olhar. Sabia o que encontraria ali. Sabia que encontraria o motivo pelo qual lutara, e sabia que desistira por não encará-lo novamente. Antes era um misto de querer ser, mas não ser por completo, com completar não-sendo. Ele tinha amor nos olhos, por mais que suas atitudes e palavras refletissem raiva e indiferença. E hoje o que via era tão diferente que ela quis correr para longe, porque o que quer que estivesse acontecendo não poderia ser real. Arrependimento.

- Me desculpe.